Aproximas-te de mim devagar, como quem tem medo que eu possa fugir, e abraças-me a alma na esperança de me entrares no coração. Admiro a tua forma ingénua de sentires que me tens e me conheces inteira. Mas o que tu não sabes é que, mesmo que a minha alma se deixe abraçar por ti e o meu coração te deixe entrar, há coisas minhas que tu não conheces. Há coisas que tu não sabes. Não sabes que antes de ti já alguém me abraçou a alma, morou no meu coração e me roubou pedaços dele. Não sabes que eu nunca recuperei esses pedaços e que nunca os vou recuperar. Não sabes que as cicatrizes do coração, mesmo que saradas, são as mais fundas que podes ter e são para sempre. Não sabes que, depois destes anos todos, eu nunca voltei a sentir alguém assim. Não sabes que, depois destes anos todos, eu nunca voltei a deixar alguém entrar e ocupar esse lugar na minha vida e no meu coração. Não sabes que, mesmo que a minha alma se deixe abraçar por ti e o meu coração te deixe entrar, eu ainda posso fugir de ti.
(Desafio "Escrever uma carta àquele(a) que te ama, ou àquele(a) que te vai amar."
Os teus olhos. Se houve margem que me resgatou contra todas as forças do mundo, de todos os mundos, foram os teus olhos. A margem mais funda que eu já conheci. E, no entanto, eu não tive medo. Naquela altura eu ainda não tinha medo, sabes? Eu sabia que, sempre que deixasse resgatar-me pela corrente do teu mar, tinha os teus braços a ancorar-me. Eu só não sabia que, ao ancorar-me, estava a afundar-me também. Num mar que afinal não era meu. Na margem que ficou com os meus pedaços desancorados quando eu remei para o lado de cá. Há margens assim. Resgatam-te tanto. E afundam-te tanto. São as únicas margens que sabem ancorar-te para sempre, na alma e na pele (e, quase sem saberes, no coração), a cor, o sabor, o som, o cheiro, o toque, do seu mar. Os teus olhos. Os teus olhos.