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Um abraço para ti

Um abraço para ti

Cartas para o céu

Ontem fui levar-te uma flor. Ao teu cantinho, aquele onde te deixámos quando foste morar para o céu. Gosto sempre de passar por lá, embora saiba que já não é ali que estás, quase parece que me sinto mais perto de ti. Ou que te sinto mais perto de nós, aqui.

Levei-te uma flor e falei-te. (Se calhar devia falar-te mais vezes... Desculpa, que as palavras ainda me fogem, eu que sou das palavras...)

Levei-te uma flor. E, no preciso momento em que eu estava a chegar perto de ti, ecoaram o teu nome em voz alta, daquele lugar onde rezamos pelas pessoas de quem sentimos saudades para sempre.

Levei-te uma flor. E recebi um abraço. Do céu.

Nadas que são tudo.

Metro de Lisboa.

Chego, no meio das pessoas que passam, apressadas, na correria do dia, da vida. Do coração. Olho à minha volta. Há pessoas que conversam. Outras, sozinhas, apenas esperam.

À minha frente, alguém, de costas para mim, vai limpando o rosto. Há lágrimas que teimam em aparecer sem escolher quando nem onde. Ela, sozinha, enquanto espera (ou desespera), vai limpando as lágrimas que teimam em cair.

O metro chega. Entramos as duas. Eu fico junto à porta, ela procura um lugar mais isolado. Talvez só precise de um abrigo. Há silêncio. Pessoas que quase não se olham. Não se vêem. Não escutam o pedido de um abraço dos corações que, muitas vezes, têm ao seu lado. Precisamos tanto de reparar, não precisamos?

A viagem chega ao fim. Ela aproxima-se de mim para sair. Saímos as duas e, enquanto saímos, eu estendo-lhe um post-it. Ela hesita, durante instantes, e aceita-o.

"O teu sorriso é a melhor parte do dia de alguém", lê. Ela, de olhos brilhantes, solta um ligeiro sorriso. Eu sorrio-lhe de volta e sigo o meu caminho, de coração abraçado.

Às vezes, um ligeiro sorriso de um coração que dói, salva o nosso dia também.

É isto: a vida torna-se bonita pelo amor que se vai deixando pelo caminho. E encontrando também.

Pode até nem parecer nada. Mas, às vezes, pode ser tanto. Pode ser tudo. Para alguém. E para nós também.

Deixar-me encontrar.

Metro de Lisboa. Sento-me e, enquanto espero, olho e observo à volta, como sempre.

Ela chega, de passos pequeninos e cansados. Talvez perto dos 80 anos. Olha-me e aproxima-se de mim, meio confusa, mas já a sorrir-me. Pergunta-me se está no sentido certo. 

- É que sabe, menina, lá fora, na rua, é mais fácil. Aqui dentro é confuso. Há muitas linhas e muitas pessoas cheias de pressa.

Sorrio-lhe.

- Sim, está no sentido certo. Pode entrar comigo e sai já na estação seguinte.

Espera junto de mim, em silêncio. Mas continua com o sorriso de ternura que me abraça e me serena de toda a pressa que nos rodeia. O metro chega. Levanta-se, olha-me de novo a sorrir-me e chega-se mais a mim.

- A menina dá-me a mãozinha para eu entrar consigo? É que sabe, menina, as pernas já não me obedecem como antes.

Sorrio-lhe. Dou-lhe a mão e caminhamos as duas em direcção ao metro. Enquanto caminhamos, aperta-me tanto a mão. Tanto. Treme, mas aperta-a forte. Como se toda a segurança que ela precisa para aqueles passos pequeninos e cansados estivesse ali, na mão que aperta tanto. São passos pequeninos e cansados, mas eu não tenho pressa. Deixei de sentir toda a pressa que nos rodeia.

Entramos no metro. Sugiro que se sente. Não quer. O tempo de viagem é curto e é-lhe mais difícil sentar-se e ter de se levantar depois.

- É que sabe, menina, as pernas já não me obedecem como antes.

Não me larga a mão. Faz aqueles minutos de viagem junto de mim, a apertar-me a mão. Sempre sem a largar. E, enquanto a sua mão aperta a minha, eu sinto que está tudo certo.

Chegamos ao seu destino. Olha-me de novo a sorrir-me e ainda a apertar-me a mão.

- Obrigada, menina. Deus a abençoe. Que tenha sempre muito amor toda a vida.

Haverá coisa melhor para se desejar a alguém?

Sorrio-lhe. Enquanto ela sai, devagarinho, aperto-lhe, em resposta, a mão que treme e que ainda aperta tanto a minha. Olha-me de novo a sorrir-me e larga-me a mão apenas quando já está do outro lado.

- Obrigada eu. – Digo-lhe.

Segue o seu caminho de passos pequeninos e cansados. E eu sigo o meu caminho e sinto que foram aqueles passos pequeninos e cansados, aquele sorriso de ternura e aquela mão, que apertou tanto a minha, que me trouxeram o amor hoje.

Eu sigo o meu caminho e sei... Hoje vi Deus. Ele sorriu-me… e eu dei-lhe a mão.