Ontem fui levar-te uma flor. Ao teu cantinho, aquele onde te deixámos quando foste morar para o céu. Gosto sempre de passar por lá, embora saiba que já não é ali que estás, quase parece que me sinto mais perto de ti. Ou que te sinto mais perto de nós, aqui.
Levei-te uma flor e falei-te. (Se calhar devia falar-te mais vezes... Desculpa, que as palavras ainda me fogem, eu que sou das palavras...)
Levei-te uma flor. E, no preciso momento em que eu estava a chegar perto de ti, ecoaram o teu nome em voz alta, daquele lugar onde rezamos pelas pessoas de quem sentimos saudades para sempre.
Chego, no meio das pessoas que passam, apressadas, na correria do dia, da vida. Do coração. Olho à minha volta. Há pessoas que conversam. Outras, sozinhas, apenas esperam.
À minha frente, alguém, de costas para mim, vai limpando o rosto. Há lágrimas que teimam em aparecer sem escolher quando nem onde. Ela, sozinha, enquanto espera (ou desespera), vai limpando as lágrimas que teimam em cair.
O metro chega. Entramos as duas. Eu fico junto à porta, ela procura um lugar mais isolado. Talvez só precise de um abrigo. Há silêncio. Pessoas que quase não se olham. Não se vêem. Não escutam o pedido de um abraço dos corações que, muitas vezes, têm ao seu lado. Precisamos tanto de reparar, não precisamos?
A viagem chega ao fim. Ela aproxima-se de mim para sair. Saímos as duas e, enquanto saímos, eu estendo-lhe um post-it. Ela hesita, durante instantes, e aceita-o.
"O teu sorriso é a melhor parte do dia de alguém", lê. Ela, de olhos brilhantes, solta um ligeiro sorriso. Eu sorrio-lhe de volta e sigo o meu caminho, de coração abraçado.
Às vezes, um ligeiro sorriso de um coração que dói, salva o nosso dia também.
É isto: a vida torna-se bonita pelo amor que se vai deixando pelo caminho. E encontrando também.
Pode até nem parecer nada. Mas, às vezes, pode ser tanto. Pode ser tudo. Para alguém. E para nós também.
Metro de Lisboa. Sento-me e, enquanto espero, olho e observo à volta, como sempre.
Ela chega, de passos pequeninos e cansados. Talvez perto dos 80 anos. Olha-me e aproxima-se de mim, meio confusa, mas já a sorrir-me. Pergunta-me se está no sentido certo.
- É que sabe, menina, lá fora, na rua, é mais fácil. Aqui dentro é confuso. Há muitas linhas e muitas pessoas cheias de pressa.
Sorrio-lhe.
- Sim, está no sentido certo. Pode entrar comigo e sai já na estação seguinte.
Espera junto de mim, em silêncio. Mas continua com o sorriso de ternura que me abraça e me serena de toda a pressa que nos rodeia. O metro chega. Levanta-se, olha-me de novo a sorrir-me e chega-se mais a mim.
- A menina dá-me a mãozinha para eu entrar consigo? É que sabe, menina, as pernas já não me obedecem como antes.
Sorrio-lhe. Dou-lhe a mão e caminhamos as duas em direcção ao metro. Enquanto caminhamos, aperta-me tanto a mão. Tanto. Treme, mas aperta-a forte. Como se toda a segurança que ela precisa para aqueles passos pequeninos e cansados estivesse ali, na mão que aperta tanto. São passos pequeninos e cansados, mas eu não tenho pressa. Deixei de sentir toda a pressa que nos rodeia.
Entramos no metro. Sugiro que se sente. Não quer. O tempo de viagem é curto e é-lhe mais difícil sentar-se e ter de se levantar depois.
- É que sabe, menina, as pernas já não me obedecem como antes.
Não me larga a mão. Faz aqueles minutos de viagem junto de mim, a apertar-me a mão. Sempre sem a largar. E, enquanto a sua mão aperta a minha, eu sinto que está tudo certo.
Chegamos ao seu destino. Olha-me de novo a sorrir-me e ainda a apertar-me a mão.
- Obrigada, menina. Deus a abençoe. Que tenha sempre muito amor toda a vida.
Haverá coisa melhor para se desejar a alguém?
Sorrio-lhe. Enquanto ela sai, devagarinho, aperto-lhe, em resposta, a mão que treme e que ainda aperta tanto a minha. Olha-me de novo a sorrir-me e larga-me a mão apenas quando já está do outro lado.
- Obrigada eu. – Digo-lhe.
Segue o seu caminho de passos pequeninos e cansados. E eu sigo o meu caminho e sinto que foram aqueles passos pequeninos e cansados, aquele sorriso de ternura e aquela mão, que apertou tanto a minha, que me trouxeram o amor hoje.
Eu sigo o meu caminho e sei... Hoje vi Deus. Ele sorriu-me… e eu dei-lhe a mão.