se a saudade chegasse pelo ar, como as ondas da rádio, em que lembrança sintonizarias a tua memória?
Sintonizaria-a naquele amor que só conseguiu fazer-se presença física durante parte da minha infância. Sintonizaria-a todo o tempo suficiente para poder saborear-lhe tudo o que ficou por saborear, como se não houvesse amanhã. Para poder saborear-lhe, já com coração de menina crescida, todos os abraços que havia para abraçar. Todos os risos que havia para rir (porque era um amor cheio, sobretudo, de riso). Todos os colos que havia para caber. Todos os passeios de mãos dadas que havia para apanhar flores. Todos os olhares e gestos e entregas das flores que apanhámos para a sua cara-metade (a sua metade que ficou, que se fez inteira e valeu por dois, por mil, por tantos, e que continua a salvar-me todos os dias) que havia para eu observar e saborear. E para desejar, num sorriso cúmplice, um dia ter umas flores entregues e uns olhos a olhar-me com o mesmo amor, quando fosse uma menina crescida.